Em uma manhã de sexta-feira, enquanto o famigerado povo baiano vai trabalhar na expectativa da amada Skol no final do dia (de preferência 3 por 10), o grupo ainda não conhecido, mas não menos importante, denominado Amigxs do Alheio, ou Sensualistas, ou um povo metido com arte, ou uns estudante aí e sua pró que faz umas paradas de cinema, seguiram a trilha de gosma, água benta, purpurina, lantejoula, cigarrilhas, pipocas, poeira, dores, fodas, amores, risadas e resquícios outros que foram deixados pelos fantasmas. Uns considerados nobres, outros abjetos.
No início, um senhor, pai de uma das Amigues, veio de prosa toda vestida de memória, sobre a vida e morte dos fantasmas - os dele e os dos outros. Se engana quem pensa que mexer com fantasma traz azar. No nosso caso, trouxe sorte, encontrada nas narrativas variadas do senhor. Mas acontece que o povo que mexe com arte é muito inquieto e quer mais que uma escuta, quer escavar. Seja com uma colher ou com uma escavadora de porte. E lá fomos, bem afrontosas, porém tranquilas.
Primeira parada: CINE PAX. E eu começo já dizendo que existe uma coisa excrementada pela humanidade chamada contradição. Por que digo? O cinema, situado entre o centro histórico e a baixa dos sapateiros foi, e ainda é, administrado pela Ordem Franciscana. Contudo, foi reduto de uma putaria soft, projetadas nos telões e re-projetadas no local. Em uma época sem Grindr, Tinder e afins, o rolê das gay era uma ida no cine. Na certa, rendia algum babado. Atualmente, o lugar está no abandono.
Mas apesar da visível morte do lugar, o feixe de luz visto na foto acima me chamou atenção. Em um local estratégico, onde poderia servir para uma singela pegação, hoje totalmente destroçado e habitado pelas aranhas. Apesar do destroços, a luz passa e traz algo de vida. Ou de morte. Interpretei como um fantasma de uma mana dando close nas ruínas do cinemão. Ou só a luz do sol mesmo, passando pelo teto já comprometido. Fico com a primeira hipótese. Arrasou, bonita.
Assim, como a máxima contemporânea nos diz: segue o baile. E seguimos atrás do baile luxuoso do Cine Theatro Jandaya, palco de grandes apresentações, lançamentos de clássicos, namoricos tradicionalistas e mais tarde, zoeira de moleques na puberdade. Para entrar no local, a cabeça dxs Amigxs, Doctor Fantasma, ela mesma, chorou pra Chorão, ferreiro que detém o acesso. Mas como Ogum é gente boa, liberou a passagem dxs Amigxs em busca dos rastros fantasmagóricos.
E sobre a fragilidade do lugar, como a possibilidade de quando a gente acordar amanhã de manhã a felicidade desabar sobre os nós - já dizia o trovador -, o teto do Jandaya também. Teto que resguardou o som dos filmes e a provável gritaria rrrriot dos jovens, hoje só se ouve o "shhhh" por silêncio, e que pode, por via de um eco vocal errado, na hora errada, cair sem fazer mais cerimônias. A estrutura encontra-se totalmente comprometida, com risco de desmoronar a qualquer momento.
No Jandaya, lá estava outro feixe de luz que me chamou atenção. Entre o desenho de um peixe e de uma árvore seca, sobre plantas vivíssimas. Desta vez não interpretei como uma bicha fantasma dando close, até porquê o tio dalí da rua falou que "botava a bicharada pra correr dalí", ou seja, nada convidativo. Mas interpretei como os fantasmas conversando com a gente, sabe? Convidando xs Amigxs a pensar sobre esses ciclos. Do luxo ao lixo, e do lixo à arte. O peixe do Jandaya vai nadar, mesmo depois dele virar destroços.
E saí inquieto, pensando se seria a arte esse ebó despachado à memória, aos afetos, ao peso do lugar, ao que foi e ao que não foi, e ao que ainda pode ser também. Seria ela o vínculo entre os nossos corpos materiais e os fantasmas invisíveis aos nossos olhos nada nus, e sim cheios de pudor?
Sei lá, isso a gente vai descobrindo. Ou não. Só sei que foi um rolê bom. Bom dia pra quem é de bom dia, boa noite pra quem é de boa noite.
Verve literária nata. Lacrou.
ResponderExcluirveja isso que maravilha: https://www.facebook.com/cerqueirati/posts/1981383425408155 devíamos convidar essa galera pra colar no bloco ou no mínimo baixar esse vídeo pra projetar no Glauber Rocha no dia do desfile!
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