fantasmagorias coloniais e crioulas

As fantasmagorias, como um dispositivo espetacular de apresentação de fantasmas que assombram um lugar e uma época surgiram no final do século XVIII, na França, quando o inventor e pesquisador Etienne Gaspard Robert decidiu apresentar aos parisienses os espectros da revolução francesa. A cidade mal havia enterrado os mortos da chamada época do terror. Os cadáveres insepultos, as covas coletivas e o ambiente revolucionário foram o contexto de onde emergiu essa forma que serviu de inspiração para o nosso trabalho, atualizado, revisitado e re elaborado de acordo com nossos próprios interesses artísticos, pessoais e fantasmáticos.

Copio abaixo um trecho de minha tese de doutorado, que explica do que se trata:

No contínuo embate entre charlatanismo e conhecimento técnico os chamados shows de fantasmagorias se tornaram populares na Europa, sobretudo a partir dos espetáculos realizados pelo físico aeronauta Étienne Gaspard Robert (1763 – 1837), também conhecido por Robertson, nome que utilizava em shows de mágica. Em 1790, a França vivia o período da terreur, com a banalização de execuções que faziam a população conviver de forma muito próxima com a morte e os cadáveres em decomposição. No prefácio de suas memórias, Robert afirma que através de seus espetáculos de fantasmagorias exorcizava as visões e os espectros de um terror real e cotidiano, o que o levou a incluir a aparição do fantasma de Marat, entre outros personagens históricos já falecidos, em um de seus shows. Dessa perspectiva, suas fantasmagorias podem ser pensadas como formas de comunicação com o espírito da cidade e os mortos da revolução, e esta parece uma boa razão para explicar o sucesso que as manteve por quatro anos em cartaz em Paris, bem como meu interesse por este dispositivo nos dias atuais. Robert aprimorou a lanterna mágica de Kircher utilizando lentes ajustáveis que permitiam alterar o tamanho das imagens projetadas, incluindo ainda jogos de espelhos, efeitos de fumaça e sonoplastia executada ao vivo. Após um período de suspensão de seus shows pelas autoridades parisienses, que consideraram que ele manipulava a audiência de forma perigosa, Robert encontrou o pavilhão Échiquier ocupado por outro fantasmagorista, vendo-se forçado a procurar um novo espaço para suas apresentações. Foi então que decidiu ocupar não mais uma casa de espetáculos, mas o Convent de Capucines, em uma ação que hoje poderíamos definir como site-specific.

“Percebe-se facilmente que, se as ideias filosóficas deviam elevar o espírito acima do pavor involuntário que podem inspirar os fantasmas, o efeito do espetáculo exigia que as aparições repercutissem, ao menos enquanto ocorriam, uma espécie de terror religioso. Eu não poderia deste modo ter escolhido um lugar mais conveniente do que uma vasta capela no interior de um claustro.” (ROBERT, 1831, p. 276)

Fig. 9: Ilustração que abre o segundo volume de memórias de Étienne Gaspard-Robert.


A atmosfera do lugar levou-o a tirar partido da história do prédio, tornando sua arquitetura significativa, e não um espaço neutro de exibição, de modo inédito. Com seu discurso científico, que argumentava tecnicamente sobre as pontes estabelecidas entre os reinos dos vivos e dos mortos, ao mesmo tempo que incitava a imaginação e o terror de audiências hipnotizadas, Robert oscilava entre a figura do cientista e a do mágico. Suas memórias testemunham essa natureza ambígua, e sua luta para que seu trabalho fosse respeitado e reconhecido nos círculos científicos.


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