Iniciamos nossa caminhada pela Ladeira da Barra no "La vue", o empreendimento imobiliário de luxo que encontra-se paralisado, por conta de irregularidades apontadas no processo de concessão da licença para sua construção. O episódio ganhou as manchetes dos jornais quando o então Ministro Chefe da Secretaria do Governo Temer, Geddel Vieira Lima, pressionou o então Ministro da Cultura, Marcelo Calero, a revogar o parecer contrário emitido pelo Iphan Nacional para a continuidade da obra.
Dali seguimos para o cemitério dos ingleses, que situa-se em frente à mansão de um de seus mentenedores, os Mariani. Construído em um terreno originalmente pertencente à Igreja de Santo Antonio da Barra, debruçado sobre a Baía de Todos os Santos, o conjunto de sepulturas resiste nessa área nobre e cobiçada por construtoras e empreiteiras. No cemitério estão enterrados dois jovens tripulantes do Beagle, além do fundador da escola de medicina tropical, dos quais falamos em outro post.
Subindo pela ladeira nos deparamos com outra obra embargada, por conta de um erro de projeto que fez com que a torre de seu elevador estivesse fora de nivel,
além de prédios com nomes afetados e bilhetes cifrados trocados entre seguranças, expondo a convivência divertida
entre o fetiche pelo estrangeirismo e a malandragem da terra.
Chegamos ao topo da ladeira, e no largo da Vitória topamos com o mais novo monstro da orla: Mansão Wildberger. O arranha-céu, em fase avançada de obras, irá abrigar apartamentos "lineares" de até 942m2, ou, como verificamos 4 alqueires! Unidades completamente fora de proporção, com 7 suítes, 10 vagas de garagem, números superlativos que atestam como se pode desperdiçar espaço, projeto e dinheiro em projetos excludentes e escandalosos. Entrando pela lateral da igreja para visualizar o canteiro de obras passamos por uma
placa onde se lê a inscrição do nome do Bispo Sardinha. Inevitável lembrar do manifesto antropófago de Oswald, que fala desse Bispo que, reza a lenda, foi devorado pelos Caetés.
O Padre da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória não esconde sua satisfação com a construção que cresce no terreno nos fundos da igreja, revelando seu empenho pessoal em idas a Brasilia para acelerar a liberação da obra, que, a seu ver, traz apenas benefícios ao entorno: um estacionamento maravilhoso para os fiéis e investimentos em uma escola infantil. De acordo com o Padre, os responsáveis pela denúncia do La Vue ao Iphan nacional que reverteu o pareceu favorável emitido pelo Iphan da Bahia são os Mariani, interessados em manter o gabarito da região baixo não por supostas preocupações cidadãs, mas por questões de controle da vizinhança. "Hipocrisia", em suas palavras.
Dali seguimos para a residência da UFBA, casarão centenário não reformado, meio assombrado, ocupado por uma juventude em vulnerabilidade social. Para residir ali, é preciso comprovar a impossibilidade de pagar um aluguel, a ausência de apoio familiar, a necessidade de ser abrigado pela universidade como única alternativa. O líder estudantil que nos recebeu mostrou a casa com um discurso claro, articulado e potente, abrindo a residência a projetos e interesses de alunos e professores. "É nosso".
Terminamos a deriva no Campo Grande, parque suntuoso mas que não oferece segurança aos frequentadores. "Já fui assaltado aqui" disse alguém. Ao atravessar a rua nos deparamos com uma intervenção no asfalto: um homem se apresenta como vítima de uma injustiça que o colocou em situação de rua. As letras, escritas com giz branco sobre o asfalto chumbo, são uma imagem trágica.
Corredor da Vitória.
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